A propósito de
Blue Painting: Edward Ruscha, de Rodrigo Adão da Fonseca.
Todos os argumentos de RAF são perfeitamente válidos e próprios. Não acredito que veja a prática do aborto como um acto “demoníaco”, a meu ver a seu raciocínio vai de encontro ao tipo de precedentes (perigosos) que se abrirão se se despenalizar o aborto.
Mas será um futuro assim tão infausto?
Pondo de lado toda a problemática do debate “dogmáticos vs. realistas” assim como a questão da falibilidade moral de cada individuo por recorrência a práticas “moralmente condenáveis”, qual será, na verdade, a realidade mais dura?
Se há “pandemia” abortiva? Se há mulheres presas? Não sei. Quem sabe? Quem poderá revelar as verdadeiras dimensões de um problema silenciado?
Aqui vai uma ajuda, mesmo não confiando na sua natureza.
O aborto existe. E o planeamento familiar não é uma luz ao fundo do túnel. Quando falamos no aborto, não estamos, à partida, a falar só de mulheres que têm um descuido na vida sexual, estamos também a falar de jovens, de adolescentes, na sua maioria de zonas rurais, sem o devido acesso á informação (sim, porque esta situação existe em Portugal) e cuja única saída viável é o aborto clandestino (sim, são estas que preenchem as estatísticas porque não podem viajar até Espanha).
Por falar em Espanha, o quão retrógrada é a lei portuguesa tendo em conta que os dois países partilham a mesma lei em relação ao aborto?
Se falarmos em sexualidade mais ou menos responsável, então entramos num campo minado, pois esta é banalizada sem a necessidade de recorrer à despenalização do aborto. Teríamos que por um travão no cinema, na música, na publicidade, na arte em geral, que não esconde o seu forte impulso sexual aberto e influenciador. Daqui podemos incorrer um raciocínio lógico para responder á pergunta sobre as DST.
Promulgar uma autonomia para o embrião em relação ao seu portador é, na minha opinião, fugir ao problema. Poderíamos discutir também quando é que o embrião começa a ter vida, quando é que tem alma oficialmente (poderíamos discutir até a validade deste discurso).
Mas não é este o futuro que eu temo. Correndo o risco de abrir precedentes ainda mais perigosos do que a despenalização
per se, eu prefiro ver a despenalização do aborto, não como um acto de misericórdia para com as mulheres, para com a sua liberdade, mas como um acto de misericórdia para com as crianças. Para com o seu futuro. Porquê forçar a existência de uma nova vida, quando demasiadas vidas perecem sob o infortúnio de uma família mal formada? Qual é afinal o maior pecado, agora sendo extremista? “Matar” um embrião ou obrigar uma mulher a ser mãe quando esta não quer? É tão difícil mesmo querendo…
Todos os dias se vêem crianças que penam na sua existência pelos erros dos pais. Seria um sacrilégio da minha parte desejar que não tivessem nascido?